Pe. Ademir Guedes Azevedo, cp
O vazio
existencial bate à nossa porta neste tempo de pandemia e nos deixa atônitos com
as suas variantes: depressão, pânico, ansiedade e tantos outros desconfortos.
Mas tudo isso foi o resultado do complexo mundo ocidental que nós mesmos
geramos, sobretudo desde que começou a ganhar corpo a assim chamada
modernidade. Precisamos identificar as raízes desta crise humana e propor
caminhos alternativos para superarmos e atravessarmos esse momento obscuro da
história.
Uma das conquistas da modernidade foi o princípio da subjetividade. O sujeito está no centro de tudo. Fora dele não há nenhuma verdade objetiva. Tudo depende do modo de como ele apreende o objeto. Essa nova maneira de conhecer vai de contra o princípio platônico de universalidade, unidade, homogeneidade, enfim aquele eidos (a coisa em si) exterior, ou seja, que estabelece o critério exato de verdade cai completamente por terra. Resta apenas o sujeito pensante que insiste em apreender a verdade a partir de modos diversos, seja codificando a natureza através de fórmulas matemáticas, seja criando os assim chamados paradigmas que podem ser derrubados por outros à medida que se vai descobrindo critérios de validade aceitos por determinada comunidade científica. É como se tudo dependesse de um acordo de certos grupos. Por isso, a verdade é algo convencional, não mais norma geral.
Há, contudo, um
caminho alternativo para não nos sufocarmos pelo niilismo que nos rouba os
valores essenciais de uma vida com sentido. Por isso, creio que o cristianismo
ainda pode ser útil para o homem de hoje, pois nele encontramos uma proposta de
sentido a partir de Jesus de Nazaré. Essa proposta não é nem conservadora nem
progressista, mas radical.
A proposta radical
de Jesus leva em conta a subjetividade, mas não em sua versão extrema, onde
Deus vem tirado do horizonte de vida. Trata-se de uma subjetividade teônoma.
Parte-se de uma convocação a uma verdade não platônica, mas relacional (“vinde
e vede”), na qual cada pessoa é provocada a ser ela mesma a partir de um
desabrochar de dons que são postos a serviço de uma causa maior: os mais
frágeis. A subjetividade moderna é individualista, pois o sujeito enxerga
unicamente a si mesmo e a suas próprias necessidades, por isso aqueles que
economicamente podem mais massacram os que nada ou pouco têm. Já a
subjetividade que Jesus insiste põe no centro não as necessidades particulares
do sujeito, mas a partilha que considera a totalidade da vida. O Papa Paulo VI
resumia isso no seguinte princípio: “o homem todo e todo homem”, isto é, o ser
humano como um todo, não exclusivamente a dimensão consumista que devora vidas
ao preço de um sistema de economia que prega a ideia equivocada de progresso.
O cristianismo
como um projeto de sentido considera ainda um ser e um fazer específicos. A dimensão
do ser reside no valor do tempo. Enquanto a nossa sociedade ocidental gasta o
tempo para ocupar espaços, devorando os bens da natureza, esquecendo-se do
princípio do cuidado, o cristianismo apela a algo maior que consiste em viver o
tempo como ocasião de experiência que nutre relações com uma
transcendentalidade e com rostos concretos. Além do mais, o tempo para nossa
cultura hodierna é investido para gerar sujeitos de desempenho que de tanto se
imporem exigências acabam por infartar psiquicamente. Mas o tempo no
cristianismo é cuidar do outro e este deve ser seu único fazer. O apelo do
tempo reside naquilo recordado pelo filósofo Byung-Chul Han: “Há, porém, também
um outro tempo, a saber, o tempo do outro, um tempo que eu dou ao outro. O
tempo do outro como dádiva não se deixa acelerar. Ele também se furta ao
trabalho e ao desempenho, que sempre exige o meu tempo. [...] Apenas o tempo do
outro liberta o eu narcisista da depressão e da exaustão.” (HAN, Favor fechar
os olhos, p. 41-42).
A proposta de sentido do
cristianismo, portanto, consiste num olhar profundo sobre nós mesmos para
curarmos nossa subjetividade dos exageros e colocá-la naquele movimento em
direção ao cuidado do outro. Não vivemos para nós mesmos, nossa vida alcança
seu ápice quando descobrimos a dádiva do outro!
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