Recebei uma reflexão do Padre Ademir Guedes, missionário Passionista, que nos ajuda compreender o mistério da gratuidade em uma sociedade competitiva e capitalista. A única exigência para a gratuidade é a prática do amor e para alcançar o amor é necessário passar pela Cruz, esta é a lógica evangélica.
Segue o texto:

O poder da gratuidade.
Pe. Ademir Guedes
Azevedo, cp.
(Camaragibe/PE, 18
de agosto de 2020)
A sociedade de
consumo investe tempo para produzir e propagar a ideia de que só é possível
realização pessoal se cada um entrar nesta onda desenfreada, no intuito de
conquistar a chamada “autonomia”. No entanto, tudo isso tem um preço: a família
é sacrificada, as relações pessoais são esquecidas e o cuidado de si mesmo é
banalizado; consequentemente, a vida torna-se vazia e mecânica. Perde-se a
criatividade e a capacidade de contemplar e de ouvir. Assim, inculca-se o ideal
de produtividade a partir do que cada um consegue fazer mais, sempre competindo
com o outro. Surgem as cobranças e o tempo é usado para produção de coisas. O
ser humano deixa de ser reconhecido como uma pessoa e torna-se uma máquina.
Enquanto ele pode produzir, será útil. Se não tem mais força, então torna-se
descartável.
O Evangelho
enxerga o ser humano não a partir daquilo que ele consegue produzir mais do que
os outros. A lógica evangélica relaciona-se com a Graça. Não é por um mérito
que se avalia o sujeito. Vê-se isso na parábola do patrão que sai convidando
operários para a sua vinha (cf. Mt 20,1-16). No final do dia, aqueles que foram
contratados por último receberam o mesmo pagamento dos que foram contratados
por primeiro. Hoje, isso soa estranho aos que são educados na lógica do mercado.
Como é possível alguém que trabalha menos, ganhar a mesma quantia de quem
trabalha mais?
Mateus propõe uma
lógica bem diferente daquela que estamos acostumados a avaliar e a medir os
outros. Nessa parábola, o evangelista enfatiza o Reino de Deus como dom e não
como uma mercadoria. O capitalismo considera os mais fortes e astutos, que usam
da inteligência para elaborar estratégias, que estudam e trabalham mais. Porém,
o Reino de Deus tem outra lógica e abre a porta para quem aceita o convite. Não
exige diplomas, nem qualificação profissional. A única sabedoria que esse reino
valoriza é a da cruz. O diploma essencial é aquele que se recebe na escola da
comunidade. A atitude fundamental não parte de estratégias financeiras, mas
reside unicamente no amor.
Nesta parábola de
Mateus, os primeiros trabalhadores ficam indignados com o patrão quando
percebem que ele pagou a mesma quantia aos que foram convocados por último. A
tradição cristã interpretou esses primeiros trabalhadores como sendo os judeus,
pois eles foram os primeiros a serem chamados. São mais velhos na fé no Deus de
Israel. Mateus está sempre em diálogo com aqueles que legislavam as leis. No
entanto, apresenta Jesus contestando toda forma de farisaísmo. Para ele, Jesus
dá plenitude a lei, sem aboli-la. O Mestre ensina a viver na esperança do Reino
de Deus. As vezes pensamos que Deus ama mais aqueles que estão mais próximos
dele. Mas essa parábola apresenta a gratuidade, como fonte de tudo. Enquanto a
sociedade de consumo fomenta cada vez mais o ideal do super-homem, o evangelho
continua insistindo na graça e não no mérito! Por isso, “meus pensamentos não
são como os vossos pensamentos, e vossos caminhos não são como os meus
caminhos, diz o Senhor.” (Is 55,8).
Tudo isso serve
para refletirmos sobre o modo de ser e agir dos discípulos de Jesus no mundo de
hoje, pois tudo indica que a forma atual que este chegou não é obra de Deus.
Trata-se de um mundo que aos poucos se corrompe pela ação humana,
principalmente com o avanço da técnica que causa enormes catástrofes. Estamos
no mundo e precisamos viver nele na ótica do Evangelho, assumindo sempre os
compromissos que edificam uma fraternidade universal. Por isso, a gratuidade
deve ser mais forte que a competitividade mercantil; a lógica que mede as relações
por meio da produtividade deve ceder lugar a caridade que enxerga sempre a
pessoa e não o seu nível de produção. Esse é o paradigma cristão que precisamos
ter como norma de vida!
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